"A Democracia e o fortalecimento do Estado de Direito são pilares fundamentais da integração regional".

Direitos humanos são violados – e o Brasil se omite.

Das Nações Unidas à União Europeia, todos protestam contra a prisão arbitrária de Leopoldo López, que faz oposição a Nicolás Maduro 
na Venezuela. Todos – menos nós


A Venezuela está no caminho inexorável para se tornar uma ditadura de fato. No último dia 10, em um arremedo de julgamento, a Justiça do país condenou o líder oposicionista Leopoldo López, dirigente do partido Vontade Popular, a 13 anos, nove meses, sete dias e 12 horas de prisão. López, um economista de 44 anos com mestrado em Harvard, foi um dos mais ferrenhos críticos de Hugo Chávez e o principal promotor da estratégia conhecida como “La Salida”, que pedia a saída do presidente daVenezuela, Nicolás Maduro.

Entre fevereiro e maio de 2014, milhares de venezuelanos protestaram contra o governo pedindo o fim do chavismo. Os protestos, duramente reprimidos pela polícia de Maduro, causaram a morte de 43 pessoas. López e quatro opositores foram acusados de incitar os crimes. Depois de ficar um ano e meio preso sem julgamento, López foi condenado por “promover a perturbação da ordem pública”, “danos à propriedade”, e “associação criminosa”. O advogado de defesa, Carlos Gutiérrez, disse que o julgamento foi repleto de irregularidades, que refletem a “falta de independência” da Justiça venezuelana. López cumprirá a pena na prisão militar de Ramo Verde, em uma cela de 4 metros quadrados, sem luz e isolada na ala solitária do presídio. Diversos organismos internacionais protestaram contra o julgamento de López e manifestaram preocupação com a democracia e os direitos humanos na Venezuela. A subsecretária de Estado dos Estados Unidos, Roberta Jacobson, se mostrou “profundamente preocupada” com a pena. A União Europeia (UE) disse que o processo contra López não foi transparente. Na última Assembleia-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, em maio, o novo secretário-geral da instituição, o uruguaio Luís Almagro, pediu respeito à oposição de ideias no continente. O representante do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al Hussein, criticou as condições de encarceramento de manifestantes pacíficos pelo governo de Maduro.

ARBITRARIEDADE: Leopoldo López, ao ser preso, em 2014. 
Ele está numa cela sem luz e isolada (Foto: Jorge Silva/Reuters)

Não bastassem as claras violações de direitos humanos na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro parece cada dia mais afeito às típicas bravatas de regimes ditatoriais em busca de manobras diversionistas. Desde junho, Maduro mergulhou a Venezuela em conflitos bilaterais com vizinhos, como Colômbia e Guiana. Muitos enxergam nas manobras de Maduro um eco da política externa do general argentino Leopoldo Galtieri. Em 1982, Galtieri invadiu as Ilhas Malvinas com a clara intenção de desviar a atenção da gravíssima crise econômica em que a Argentina mergulhara.

Jovens venezuelanos: apelo a Comissão 
de Relações Exteriores do Senado.

   

A tensão entre Colômbia e Venezuela é cada vez maior. O governo Maduro aumentou o estado de exceção na fronteira entre os dois países. No total, 23 municípios (de 335) estão sob rigorosa vigilância militar. Estima-se que cerca de 20 mil colombianos tenham sido deportados ou abandonado a Venezuela, provocando uma crise humanitária que o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, não esperava encarar em seu segundo mandato. Apesar da pressão de alguns países da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), não há data para uma reunião de emergência entre os presidentes do bloco para discutir o conflito. Santos se dispôs a encontrar Maduro, mas exigiu que os líderes da Unasul “tomem decisões e não apenas tirem fotos”. Tudo isso ocorre em plena campanha para as eleições legislativas na Venezuela, em dezembro. 

Nelas, a oposição ao chavismo seria franca favorita, se houvesse certeza de lisura no processo eleitoral. O que há, porém, é a violência do Estado por toda parte, com a prisão arbitrária de líderes oposicionistas e cidadãos que participam de manifestações; a coação do Legislativo e do Judiciário pelo Executivo; a proliferação das milícias bolivarianas; o controle dos meios de comunicação.

Enquanto Maduro envereda rumo ao radicalismo e a truculência do governo preocupa a comunidade internacional e organismos multilaterais, o Brasil silencia. Trata-se de um mutismo contumaz – e eloquente. Depois de mais de uma década de leniência com os atos tresloucados do regime bolivariano, o Brasil está de mãos atadas para servir como mediador na Venezuela. O governo brasileiro escolheu Nelson Jobim para ser o enviado especial às eleições venezuelanas. Ex-deputado e ex-presidente do Supremo, ele serviu como ministro dos governosFernando Henrique, Lula e Dilma. Jobim esteve na linha de frente para contornar crises anteriores provocadas pelo chavismo. 

Mas, desta vez, a tarefa é inglória. Maduro rejeitou a criação de uma comissão de observadores eleitorais, inviabilizando os planos originais do governo brasileiro para tentar amainar os ânimos na Venezuela. Jobim, o Brasil e nenhuma instituição ou organismo internacional terão mandato para averiguar ou denunciar irregularidades nas eleições. Nesta altura, o Itamaraty teme que qualquer manifestação sua gere uma reação intempestiva de Maduro e até um rompimento de relações da Venezuela com o Brasil. O Brasil abdicou do papel de liderança regional. Hoje, não tem mais instrumentos para influenciar o comportamento do regime venezuelano – que, enquanto isso, prende inocentes.
Missão Ushuaia, Venezuela


Fontes: Revista Época, www.MissaoBolivia.com
Missão Ushuaia, Venezuela. 26/09/2015