"A Democracia e o fortalecimento do Estado de Direito são pilares fundamentais da integração regional".

Henrique Capriles: "O silêncio do Brasil dói". A voz moderada da oposição na Venezuela afirma que as eleições de dezembro não serão limpas – e reclama de o Brasil ignorar os abusos cometidos pelo chavismo

Arte: @Untal_Ro

Henrique Capriles é venezuelano e não desiste nunca. Voz moderada da oposição ao chavismo, governador do Estado de Miranda, derrotado duas vezes na disputa pela Presidência da Venezuela, Capriles acredita em uma vitória da oposição nas eleições legislativas de dezembro – apesar de o presidente, Nicolás Maduro, ter controle do Judiciário, do Tribunal Eleitoral, mandar prender opositores, ter espaço enorme na televisão e usar o Estado para fazer propaganda política descarada. Capriles sabe que as eleições não serão limpas. Acredita, no entanto, nainsatisfação da população com o que ele chama de oficialismo. “Maduro e Diosdado Cabello não representam o chavismo”, diz. Capriles reclama de uma coisa: seja com Chávez, seja com Maduro, a postura do Brasil é de apoio às ações do governo e silêncio diante dos abusos.

PERSISTENTE Henrique Capriles em seu escritório, em Caracas, em 2013. 
Para ele, a oposição não pode repetir os erros do chavismo 
(Foto: Sebastien Micke/Paris Match via Getty Images)

ÉPOCA – O senhor acredita que haverá de fato eleições em dezembro na Venezuela?
Henrique Capriles – Tudo é possível na Venezuela. O oficialismo é capaz de qualquer coisa. Mas os dias vão passando e tudo indica que vai ser difícil e custoso para o governo impedir as eleições. Porque a fachada para a tirania do oficialismo são as eleições. O governo se ancora nas eleições para dizer que há democracia. Sob esse manto, eles cometem todos os abusos e toda a corrupção de que são capazes. Então, acredito que haverá eleições.

ÉPOCA – A oposição pode vencer?
Capriles – Se o pleito fosse na semana que vem, pode ter certeza que a oposição venceria. As pesquisas mais confiáveis garantem uma diferença de mais de 20 para a oposição contra o oficialismo. E olha que as pesquisas na Venezuela não são como as do Brasil. Aqui nem sequer fazem pesquisa por distrito. Mas, mesmo assim, a oposição lidera. Isso mesmo com os abusos e a corrupção que eles cometem.


ÉPOCA – O processo eleitoral será transparente?
Capriles – De forma alguma. Não é um processo justo. Os integrantes do Tribunal Eleitoral são militantes do chavismo e do governo. Mas é preciso fazer uma ressalva: o voto existe na Venezuela, é secreto, e o pleito ocorre de modo normal. O problema não está na eleição, mas no desenvolvimento do processo. Não há igualdade de condições, os recursos do Estado, rádio e TV, são usados descaradamente pelo governo. São programas pagos com o dinheiro dos contribuintes e que servem para fazer publicidade. O oficialismo usa os bens públicos para azeitar a máquina de propaganda eleitoral. O processo é viciado. Esse é o delito cometido pelo oficialismo. A lei é clara: não se podem usar recursos públicos na campanha. Mas quem deveria arbitrar não é árbitro, é uma parte interessada. Por isso o processo eleitoral está sempre viciado.


ÉPOCA – Isso faz da Venezuela uma ditadura de fato?
Capriles – Na Venezuela, sei o que não existe: democracia. Mas não vivemos numa ditadura. Há uma diferença entre ditadura, totalitarismo e democracia. A Venezuela está nas mãos de um governo totalitário, que quer controlar as instituições do país. Temos o governo mais corrupto do mundo. Não existe uma democracia como deve ser. Mas, infelizmente, esse é o menor dos problemas do país.

ÉPOCA – Qual é o maior problema da Venezuela?
Capriles – A crise social. Isso é o que importa para os venezuelanos, e é isso que a oposição precisa discutir. A Venezuela é o país em que mais cresce a pobreza. Não é o Haiti, nem Cuba, é a Venezuela. A situação da pobreza é a mesma situação de quando Hugo Chávez chegou ao poder (em 1999). Chávez chegou ao governo com o discurso de acabar com a pobreza, e a situação hoje é a mesma de quando ele chegou lá. A pobreza que cresce é o desafio que devemos encarar. Essa crise social é a agenda do venezuelano, muito mais do que os problemas políticos que os meios de comunicação destacam. A imprensa estrangeira ignora os dramas sociais e a crise econômica que estamos vivendo, não se mete nos bairros, onde as pessoas sofrem, se interessa apenas pelos temas políticos.


ÉPOCA – Se o chavismo perder as eleições de dezembro, o que os chavistas farão? Eles vão deixar o poder?
Capriles – O chavismo era Chávez. Hoje eles estão no poder, mas o chavismo acabou, virou o que chamo de oficialismo. Eles tem o Estado, tudo o que fazem é para manter o poder. O partido do governo tem uma força política, é claro. Mas essa força política não é mais maioria na Venezuela. O chavismo, sem Chávez, não tem quem o represente. Nicolás Maduro e (Diosdado) Cabello (presidente da Assembleia Nacional da Venezuela) não representam o sentimento do chavismo. Há um vácuo entre os apoiadores do chavismo. O partido oficialista está sem liderança. O chavismo só respira porque o partido do governo tem força, mas apenas por estar no governo. Mas a oposição não pode cometer os mesmos erros do oficialismo.
"O chavismo, sem Chávez, não existe. Maduro e Cabello não representam o sentimento do chavismo"

ÉPOCA – Como assim?
Capriles – Quando o oficialismo sair do poder, a mudança não pode ser para substituir um projeto hegemônico por outro. Chega de fascismo. Quero um país plural, com muitas vozes, em que acabe a exclusão. O que vemos hoje na Venezuela não é um governo de esquerda, mas um governo fascista. Tem de haver uma mudança no caminho do país. Um ciclo se esgotou, mas parte da oposição não entende como se aglutina uma maioria, e como uma maioria deve chegar ao poder. Vivem isolados, querem uma ruptura, uma comoção, um radicalismo. Mas a única forma de vitória é mudar o poder político por vias legais e legítimas. Essa maioria eleitoral que se forma graças à insatisfação social vai ganhar, e vai se impor, mas de modo pacífico e constitucional. Caso contrário, não é mudança. E, para uma mudança duradoura na Venezuela, é totalmente necessário incluir as vozes do oficialismo.


ÉPOCA – Isso é factível? Há com quem dialogar dentro do chavismo e do governo? 
Capriles – Quando falo em fazer pontes com o oficialismo, não me refiro aos dirigentes, à cúpula. Falo do povo. Claro que não podemos negociar com aqueles que conduziram o país a uma inflação de 142% em nove meses, com quem fez a Venezuela ter a inflação mais alta do planeta, com quem levou o país aos piores índices de violência de sua história. Esses que jogaram o país na lama são aqueles que devem sair do poder. Alguns terão de responder à Justiça por seus atos de corrupção, porque são bilhões de dólares roubados. Mas o povo, quem está nas ruas, quem acreditou no projeto do chavismo, e foi enganado por ele, tem de ser incluído. O chavismo é uma realidade política no país, não podemos fingir que não existe. Não podemos cometer o pecado de reeditar todos os vícios que vimos nas mãos de outros governantes. É preciso reconhecer os que militam no oficialismo e permitir que eles possam exercer seus direitos políticos, sem revanches, sem perseguição, sem judicialização. Uma coisa é o povo chavista, que acredita no chavismo, outra coisa é Nicolás Maduro e seu governo. Maduro não representa esse povo.

ÉPOCA – O senhor tem um discurso brando comparado a outros opositores. A oposição venezuelana está unida?
Capriles – Está unida eleitoralmente. Pela primeira vez em muitos anos a oposição apresentou uma proposta eleitoral única. Mas há distintas visões dentro da oposição, e isso é bom, isso é a democracia. O sistema eleitoral em algum momento precisa mudar. Não há o segundo turno, o que é péssimo em um sistema com muitos partidos. Isso obriga que você tenha de formar uma coalizão em bloco, apesar de todas as sensíveis diferenças, porque caso contrário não há possibilidade de ganhar. Mas, apesar de tudo, há uma união eleitoral na oposição.

ÉPOCA – Como o senhor analisa a posição do Brasil em relação à Venezuela?
Capriles – Eu esperava mais do Brasil. Como venezuelano que respeita e admira profundamente o Brasil e os brasileiros, esperava mais tanto do presidente Lula quanto da presidente Dilma Rousseff. Sempre tive uma relação de respeito com o Brasil, apesar dos presidentes Lula e Dilma sempre terem sido favoráveis ao governo Chávez e a Maduro. Lamentei muito quando Lula se meteu na campanha chavista para eleger Maduro. Foi uma intromissão – mesmo com a oposição venezuelana tendo sido sempre respeitosa e nunca tendo se metido nos processos políticos internos do Brasil. Mas me decepcionei. Eu esperava muito mais do governo do Brasil, porque o Brasil não é apenas mais um país na América Latina. É o país com maior peso regional. Eu esperava uma postura mais condizente de um país que tem instituições sólidas, que acredita na união da América Latina. Queria que o Brasil tivesse coisas a dizer e coisas a pedir a um governo que não respeita as instituições e alimenta a desunião. Por que o governo brasileiro, mesmo sabendo de todas as irregularidades e os atropelos não democráticos do chavismo, apoia o oficialismo? O silêncio do Brasil dói.

ÉPOCA, RODRIGO TURRER
Missão Ushuaia, Venezuela. 27/10/2015.

Brasil usou Itaipu para ajudar Venezuela a entrar no Mercosul

Em reunião privada em junho de 2011, a presidente Dilma Rousseff disse ao então presidente da Venezuela, Hugo Chávez (1954-2013), que a renegociação do Tratado de Itaipu com o Paraguai seria usada como argumento para persuadir Assunção a aceitar a Venezuela no Mercosul.

A reunião foi registrada em telegrama secreto redigido por um funcionário do Itamaraty. O documento, obtido pela Folha, indica que a renegociação serviu de moeda de troca pelo Brasil para favorecer o governo Chávez.

No mês anterior ao encontro, o Senado brasileiro aprovara um acordo entre Brasil e Paraguai que triplicou o valor pago pelo governo ao país vizinho pelo excedente de energia da hidrelétrica.

Na época, a oposição no Senado disse que passaria o valor pago de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões anuais.
Editoria de arte/Folhapress

O documento diplomático foi entregue pelo Itamaraty ao Ministério Público Federal do Distrito Federal no inquérito civil que apura suposto tráfico de influência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na relação entre governos estrangeiros e empreiteiras brasileiras.

No encontro com Chávez, Dilma disse, segundo o telegrama, que a adesão da Venezuela ao Mercosul "fortalecerá o bloco". Naquele momento, o Paraguai se opunha à ideia.

Dilma, porém, procurou acalmar Chávez: "Lula está empenhado, junto a interlocutores no Paraguai, na aprovação da adesão da Venezuela pelo Congresso paraguaio. Nós aqui também estamos ajudando. A aprovação do acordo por troca de notas sobre Itaipu, pelo Congresso brasileiro, deverá contribuir para que o Congresso paraguaio se torne mais propenso a examinar favoravelmente a questão da adesão da Venezuela", disse.
Hugo Chávez, Dilma Rousseff, José Mujica e Cristina Kirchner em Brasília, 
em 2012. Foto: Sergio Lima - 31.jul.2012/Folhapress 

'NAVE SERENA'

Em resposta, Chávez disse que "ama" o Brasil. Alegou que não conseguiu adquirir aviões militares fabricados no Brasil por pressão dos EUA, mas com aviões de uso civil "não há dificuldades".

"Quero reiterar a importância da integração regional", disse Chávez. "Lula foi uma tábua de salvação para mim quando fui eleito em 2002. O golpe de abril de 2002 foi um baque grande para meu governo. O apoio regional nos momentos subsequentes foi valioso. O Brasil é uma nave grande e serena; a Venezuela, uma lancha de ataque."

O uso de Itaipu já havia sido levantado pelo Brasil quatro meses antes em um encontro entre Chávez, o chanceler brasileiro, Antonio Patriota, o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e outros membros do governo venezuelano, inclusive o então chanceler Nicolás Maduro, hoje presidente.

O Itamaraty considerou o evento "encontro privado" e o registrou em telegrama secreto. Na reunião, Chávez disse que vinha "trabalhando para acelerar a adesão" do seu país ao Mercosul, mas que não estava "disposto a sofrer pressões indevidas por parte do governo paraguaio".

"Confidenciou" ter indicado a Maduro que, se os entraves do Parlamento paraguaio continuassem, "seria melhor deixar o Mercosul e passar a se concentrar mais em fortalecer as relações bilaterais".

Marco Aurélio Garcia, então, procurou acalmá-lo.

"Com vistas a alcançar clima político mais propício ao Paraguai, o professor Garcia relatou os esforços brasileiros para atender demandas paraguaias relativas a Itaipu", diz o telegrama, assinado pelo embaixador José Antônio Marcondes de Carvalho.

"O assessor especial da PR [presidente] Rousseff sugeriu que a Venezuela convidasse [o general paraguaio que viveu no Brasil] Lino Oviedo [1943-2013] para visita a Caracas com o propósito de alargar sua base de apoio no Congresso paraguaio."

A Venezuela aderiu ao Mercosul no ano seguinte a essas conversas, em agosto de 2012.

ODEBRECHT

Na reunião, Chávez ainda propôs criar um fundo de financiamento para projetos bilaterais, citando que a Construtora Odebrecht "já aceitou mecanismo de remuneração parcial em petróleo".

Dilma respondeu que a empreiteira poderia ajudar.

"Será importante envolver nesse processo o presidente da Associação Brasileira de Construção Civil. A Odebrecht pode ajudar muito com habitação", afirmou.

Folha de São Paulo
Missão Ushuaia, Venezuela. 27/10/2015.

Brasileiros presos na Venezuela por compra ilegal de gasolina são soltos.


Os três jovens presos na Venezuela há mais de 40 dias foram liberados pela Justiça na tarde destasegunda (26) (Foto: Marinês Luciana/Arquivo pessoal)

Os três jovens brasileiros presos na Venezuela no dia 8 de setembro por compra de gasolina em local não autorizado foram soltos pela Justiça do país vizinho nesta segunda-feira (26), segundo informações de familiares e do Governo de Roraima.

O casal Cássio Gleisson da Silva Almeida, de 24 anos, e Ana Cássia da Silva Oliveira, de 18, além do amigo deles Taysson da Silva Correia, de 22 anos, passaram 48 dias detidos na Venezuela após comprar combustível em uma residência na cidade de Santa Elena de Uairén. Esse tipo de compra é considerado crime ambiental.

Por telefone, a mãe de Ana Cássia, Marinês Luciana, disse à reportagem do G1 na noite desta segunda-feira que deve se encontrar com os jovens até as 22h (horário local). "Estou muito nervosa. Vamos recebê-los na porta da 'cadeia'. Fomos informados agora há pouco que eles foram liberados", informou.

Além de Marinês, viajaram para Venezuela a avó materna de Ana Cássia, a mãe e o pai de Cássio, além do irmão de Taysson. "A previsão é que a gente saia daqui na madrugada, de carro, e provavelmente chegue a Roraima na noite desta terça-feira [27]. Foi muito difícil, mas graças a Deus conseguimos", desabafa, acrescentando que eles estão bem de saúde, embora estejam 'muito magros'.

Governo do Estado diz ter dado apoio a brasileiros
O trio estava em um presídio de Ciudad Bolívar, na Venezuela, e foi liberado no fim da tarde desta segunda-feira. O caso foi acompanhado pela Secretaria Extraordinária de Assuntos Internacionais (Seai) e pelo Itamaraty.

Segundo a secretária de Assuntos Internacionais, Verônica Caro, o governo do estado deu todo o apoio possível aos brasileiros durante o período em que estiveram presos na Venezuela.

“Nós colocamos à disposição um advogado para cuidar do processo e tentar o mais breve possível conseguir a liberação dos brasileiros”, comentou a secretária, explicando que pelas leis venezuelanas, qualquer pessoa presa no país tem que cumprir o prazo mínimo de 45 dias detida e, somente após esse prazo, é possível a realização da primeira audiência.

Mesmo com a liberação dos três jovens, a secretária faz um alerta aos brasileiros que visitam a Venezuela. “Os turistas devem abastecer somente nos postos de combustíveis internacionais autorizados. Além disso, devem ficar sempre atentos sobre os produtos permitidos para compra, buscando evitar qualquer problema com as autoridades venezuelanas, que têm leis diferenciadas das do Brasil”, destaca.

Itamaraty
A reportagem do G1 entrou em contato com o Itamaraty para saber se o órgão já tem informação oficial sobre a liberação dos brasileiros e se teria oferecido auxílio para que os jovens voltem para Roraima, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Entenda o caso
Ana Cássia, Taysson e Cássio foram detidos no dia 8 de setembro em Santa Elena de Uairén, cidade venezuelana que faz fronteira com o Brasil. No momento da prisão, Ana e Cássio estavam com a filha, uma bebê de quatro meses. A neném foi entregue aos familiares em Roraima.

No momento da prisão, os jovens abasteciam o carro deles em uma casa não autorizada a vender combustível, o que é considerado crime ambiental no país. Por causa disso, eles foram detidos e levados a presídios em Ciudad Bolívar, na Venezuela. Por um perídio, eles mantiveram contato com os familiares por meio de telefones de outros detentos.

Fonte: G1
Missão Ushuaia, Venezuela. 27/10/2015.