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itamaraPTy: "deixe a diplomacia trabalhar"


A presidente Dilma se rendeu ao óbvio. Reconhece que cometeu erros. Admite falhas na política econômica e na articulação com o Congresso. No entanto, continua a ignorar um dos maiores equívocos de sua administração: o tratamento que concede à política externa e ao Itamaraty.

Nenhum governo fez tanto mal à nossa diplomacia quanto o de Dilma Rousseff. O retrato simbólico que ficará na minha mente é o da presidente da República Federativa do Brasil recusando-se, em solenidade no Ministério das Relações Exteriores, a tirar foto com os diplomatas recém-formados, com quem havia acabado de almoçar.

Quer desprezo maior?

É que, nas áreas menos iluminadas do governo, diplomacia é vista como coisa de burguês. De forma simplista, projetam na estrutura da administração pública a imagem binária da iniquidade social do país. Nesse quadro, o Itamaraty e os funcionários do serviço exterior são identificados como "elite", e vistos –e tratados– como intrusos no seio do governo "popular".

É como se o serviço exterior brasileiro não fosse composto por funcionários públicos concursados para, entre outras coisas, fazerem exatamente isto: em nome do Brasil, tratar com elites políticas, sociais e empresariais ao redor do mundo.

Toda democracia com tradição de administração pública conta com um órgão específico responsável pela política externa, cujos funcionários trabalham em várias línguas e países e operam em diferentes culturas. Trata-se sempre de órgãos seletivos, peculiares e prestigiados. Na França, chama-se Quai d'Orsay; no México, Tlatelolco; no Japão, Gaimusho. No Brasil, temos o Itamaraty.

A diplomacia opera no ambiente de autoridades e formadores de opinião. São ambientes elitizados, não se discute. Mas os benefícios que um embaixador brasileiro pode conseguir numa festa black-tie (para a abertura de mercados para produtos brasileiros, por exemplo) não ficam para comprar champanhe; revertem para a criação de empregos e riquezas no Brasil.

No entanto, o jogo diplomático exige linguagem e equipamentos específicos. Sabe aquela louça mais fina que a gente usa quando vai receber alguém de cerimônia, ou aquela roupa nova que a gente veste quando quer impressionar ou mostrar respeito? É esse o espírito –e é igual e esperado no mundo todo.

Na semana passada, o governo da presidente Rousseff impôs cortes que reduzem o orçamento do Itamaraty a cerca de 0,25% do total do Executivo. É um quarto de 1%. Ao impor esse tipo de cortes, as autoridades econômicas agem de forma irresponsável diante do Estado brasileiro e suas instituições.

O funcionamento mínimo do Itamaraty não admite mais cortes. A função do serviço diplomático é melhorar a imagem do país, não piorá-la. Exibir globalmente nossa falta de gerenciamento é desnecessário e afeta a credibilidade do Brasil e de todos os brasileiros. Ninguém entra na embaixada da sétima economia do mundo esperando ver miserê.

Ignorar a singularidade do serviço exterior na administração pública é um dos grandes erros do governo de Dilma Rousseff. Tratar o orçamento do Itamaraty como o orçamento do Ministério da Pesca pode fazer sentido contábil, mas do ponto de vista político e da imagem internacional do Brasil é incompetência das grandes.

O Itamaraty é diferente. Já passou da hora de essa especificidade administrativa e funcional ser garantida em lei. Trata-se do equipamento de que o Estado brasileiro dispõe para sua atividade diplomática. Tem de ser preservado e bem cuidado. Não é porque uma coisa é dourada que ela é supérflua.

Diplomatas estrangeiros com quem converso não acreditam que um embaixador brasileiro deixe de comparecer a uma negociação relevante por falta de dinheiro para passagem, ou que não reciproque um convite na embaixada porque não tem recursos para o jantar. Parece incrível. E é.

A maneira mais rápida de transformar o Brasil em um anão diplomático é cortar as pernas de sua diplomacia. É o que o governo está fazendo. Isso não pode continuar.

Alexandre Vidal Porto. Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras). Escreve às terças na Folha de São Paulo. Missão Ushuaia, Venezuela. 06/10/2015