"A Democracia e o fortalecimento do Estado de Direito são pilares fundamentais da integração regional".

Nos porões de Maduro. "Testemunhos da repressão"

Repressão na Venezuela - Clider Martínez - Reprodução / Reprodução

Livro traz relatos de estudantes que sofreram abusos e tortura 
nas prisões venezuelanas: veja casos retratados.

(BUENOS AIRES - Janaína Figueiredo - O Globo) O que até agora eram números e estatísticas de ONGs de defesa dos direitos humanos, tornou-se uma história humana e real. Detalhes inéditos da violência policial e militar exercida pelo governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, contra manifestantes nos primeiros meses do ano passado foram revelados no livro "Testemunhos da repressão", escrito pelo jornalista Carlos Javier Arencibia e lançado este mês na Venezuela. Além de saber que em 2014 o governo chavista prendeu 3.765 pessoas, de acordo com dados da ONG Foro Penal, em meio a gravíssimas denúncias de violações dos direitos humanos, agora os venezuelanos conhecem, também, o rosto da tortura. Arencibia entrevistou 16 jovens que foram detidos durante a onda de protestos contra Maduro, dos quais dois continuam presos. Todos afirmaram ter sido vítimas da violência descontrolada de agentes da Polícia Nacional Bolivariana (PNB), Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin).

Um dos relatos mais aterradores é o de Juan Manuel Carrasco, de 21 anos, um estudante da cidade de Valencia, no estado Carabobo. Como muitos outros jovens, Juan Manuel decidiu sair às ruas para "resistir" aos ataques do governo Maduro contra seus opositores. O estudante confessou ter sido estuprado com um fuzil.

- Você ainda vê nos olhos de Juan Manuel a dor, como se ele fosse estuprado todos os dias - disse Arencibia. - O livro é uma homenagem aos 49 mortos do ano passado e a todos os jovens que tiveram a valentia de defender a necessidade de uma mudança democrática.

O jornalista também acredita que "Testemunhos da repressão" ajudará, no futuro, a julgar os culpados pelas gravíssimas violações dos direitos humanos cometidas pelo governo Maduro.

Atualmente, estima-se que haja ao menos 76 presos políticos no país. Organismos internacionais, entre eles o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, continuam questionando abusos cometidos pelo Estado venezuelano. Mês passado, o comitê da ONU discutiu o caso venezuelano e vários de seus membros criticaram o tratamento a presos políticos, entre eles juízes e dirigentes políticos de peso. O perfil repressor de Maduro também foi condenado por organizações como Anistia Internacional e Human Rights Watch, entre muitas outras. ONGs venezuelanas como Foro Penal e Espaço Público vêm pedindo, há tempo, que o Palácio Miraflores autorize a visita de uma missão da ONU para verificar a situação dos presos políticos. Mas o governo Maduro insiste em fechar essa porta.

Para Arencibia, que no ano passado participou das chamadas "praças da resistência" (grupos de jovens que acampavam em praças como forma de protesto), a repressão não terminou. O jornalista assegurou que presos políticos como o líder do partido Vontade Popular, Leopoldo López, e o prefeito cassado de San Cristóbal, Daniel Ceballos, "são torturados permanentemente".

- Leopoldo e Ceballos são surrados, maltratados física e psicologicamente. Alguns dos jovens que ainda estão presos passam semanas sem ver a luz do sol. Estão em porões, doentes e também são torturados - conta o autor do livro.

Um dos que continua preso é Raúl Emilio Baduel, filho do general reformado Raúl Isaias Baduel, um ex-aliado de Chávez, que rompeu com o governo em 2007 e em 2009 foi preso, acusado de corrupção quando era ministro da Defesa. Raúl Emilio foi detido na cidade de Maracay, junto com Alexander Tirado, que também continua atrás das grades.

- Eles estavam participando de uma manifestação pacífica. A resolução judicial diz que foram presos porque tinham em suas mãos objetivos de interesse criminalístico, neste caso, um megafone - contou Arencibia, que teve contato com ambos estudantes, numa das sedes do Sebin.

Segundo o jornalista, ambos sofreram uma das piores violações dos direitos humanos. Os policiais cobriram seus rostos e atiraram inseticida.

- São torturas do nível das praticadas pelas ditaduras das décadas de 70 e 80. No caso de Raúl Emilio, está claro que é uma prisão política, uma vingança por ser filho de Baduel - assegurou o autor do livro.

"Será assim como terminará tudo? Reage Venezuela". Arte: @Untal_Ro

Outro dos casos que comoveu Arencibia foi o de Marvinia Jiménez, que passou somente três dias na prisão, mas, segundo o autor, "foi surrada com extrema violência". Marvinia sofre uma doença em seus ossos e, mesmo sabendo isso, agentes da PNB e da GNB chegaram a bater nela com um capacete, revelou o livro.

- Marvinia mentiu e disse que estava grávida, na tentativa de escapar da violência, mas os agentes, até mesmo mulheres, a maltrataram ainda mais e chegaram a dizer que graças a Deus ela perderia o bebê - disse Arencibia.

Semana passada, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, referiu-se ao livro em seu programa semana de TV como uma ficção da oposição, "uma espécie de conto de terror".

Veja abaixo casos retratados no livro

A primeira vítima fatal da repressão

 Bassil da Costa
Repressão na Venezuela - Bassil da Costa - Fotos de reprodução

“Este jovem carpinteiro de Guatire participou de sua primeira manifestação e, sem planejar, se converteu no estopim e imagem de uma rebelião democrática protagonizada por um povo que o sentiu como filho de todas as suas mães. Até os mais fortes choraram ao ver o vídeo de seu trágico assassinato. A impotência se transformou em valentia para sair e defender a causa dos jovens e estudantes por uma mudança política definitiva na Venezuela.

Recebeu um tiro na parte de trás da cabeça enquanto fugia da covarde arremetida a disparos de funcionários do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) contra ele e centenas de manifestantes indefesos. Caiu morto no ato. Isso não deteve a solidariedade de seus companheiros para levantá-lo e levá-lo em uma moto ao hospital mais próximo com esperança de salvar sua vida.

Um dia antes,colocou em sua conta do Facebook: ‘Bem, senhores, este que está aqui marchará amanhã sem medo de nada com a esperança de encontrar um futuro melhor’.”

Violação com cano de fuzil

 Juan Manuel Carrasco
Repressão na Venezuela - Juan Manuel Carrasco - Reprodução

“Três guardas nacionais jogaram futebol com eles como bola. Colocaram-nos sentados para chutar as suas costas e gritar efusivamente "gol". Depois veio o pior. Juan Manuel é afastado do grupo. Algemado no estacionamento, abaixam sua calça e metem no seu ânus o cano de um fuzil. Imediatamente começa a sangrar e desmaia. É preciso ser valente para denunciar um ato de estupro. Muito mais depois de 55 horas de tortura. Mas ele o faz.”

Falas de Chávez a todo volume

 Betania Farrera
Repressão na Venezuela - Betania Farrera - Reprodução

“A repressão interna se agudiza. Às 4h da manhã põem pronunciamentos do defunto presidente Hugo Chávez a um volume altíssimo, tanto que chega a ser denunciado por vizinhos do presídio. As revistas pessoais se tornam constantes: três vezes ao dia. Desnudar-se e abrir as pernas é parte do cotidiano. Betania pede permissão para ir ao banheiro, mas não deixam e ela urina. Como castigo, recebe pancadas em todo o corpo com um porrete forrado de borracha para evitar hematomas.”

Cela com 22 presos comuns

Clíder Martínez

“Assaltantes, sequestradores, assassinos e estelionatários dividem a cela com o estudante do quinto ano de bacharelado. Vinte e dois presos comuns são sua companhia. Devem se distribuir em uma área de seis metros de comprimento por três de largura. Ser manifestante não lhe dá tratamento privilegiado. Durante 63 dias, é um preso comum. Se contrariar os ‘chefes’ da prisão, terá que pagar. ‘Te matam, ou você tem que recolher dejetos de outros presos’, comenta.”

Agredida a golpes de capacete

 Marvinia Jiménez
Repressão na Venezuela - Marvinia Jiménez - Reprodução

“Uma oficial se aproxima sorridente: "Deixem ela comigo". Monta em cima dela e bate no seu rosto. Não diz nada, só ri. Marvinia está só e indefesa. O resto dos policiais incentivam a agressora. Tira o capacete e com prazer começa a usá-lo para bater com toda a força na cara, cabeça e nuca, uma e outra vez. Não para de sorrir. Marvinia consegue tirá-la de cima com um chute no peito que a faz tropeçar e cair. Isso a enfurece, porque ela quebra uma unha.”

Preso por ser filho de dissidente

 Raúl Emilio Baduel
Repressão na Venezuela - Raul Emilio Baduel - Reprodução

“Em 22 de março, é capturado enquanto lidera uma marcha pacífica. O comissário que o recebe no centro de detenção se dirige a Baduel por seu nome e sobrenome, seguido da categórica frase ‘agora é a sua vez’, em relação à prisão de seu pai, que já estava há 5 anos nas masmorras de Maduro. Os primeiros 22 dias são de isolamento. Recebem a comida quente na palma da mão e são obrigados a jogá-la no chão para a comer. Torturas como essa fazem parte do seu cotidiano.”

Mais de 50 dias sem luz do sol

 Sairam Rivas
Repressão na Venezuela - Sairam Rivas - Reprodução

“A parte mais dura: o promotor pede pena privativa de liberdade. A justificativa: um morteiro e um informe do Sebin que diz que ela é líder estudantil, foi a múltiplos protestos, deu entrevistas coletivas e instigou a violência. Ela só consegue rir. ‘Essa é a justiça do meu país?’, questionou. Era o primeiro de 55 dias que passaria sem ver o sol. Quando enfim sai, é algemada e levada a um exame médico. Pálida, se pergunta quando deixará de estar sã por passar por tantos maus-tratos.”

Fontes: Janaína Figueiredo - O Globo, @Untal_Ro
Missão Ushuaia, Venezuela. 19/07/2015.

Estudantes palestinos desistem de bolsa de estudos em Caracas. Os estudantes reclamaram que o primeiro ano está sendo gasto em aulas de espanhol e doutrina bolivariana.

Adiós Araffat. Estudantes palestinos durante recepção oficial: 
receio de validade do diploma - Ariana Cubillos / AP

Oito meses após chegada à Venezuela para aulas com médicos cubanos, alunos reclamam do que dizem ser falta de rigor acadêmico 

CARACAS — Os estudantes palestinos foram recebidos como celebridades quando chegaram a Caracas, em novembro do ano passado. O presidente Nicolás Maduro os cumprimentou pessoalmente num evento transmitido para todo o país.

— Hoje, a Palestina entra no coração da Venezuela — declarou Maduro ao saudar os primeiros 119 bolsistas de uma escola de medicina.

Oito meses depois, porém, cerca de um terço dos palestinos abandonou o curso reclamando do que dizem ser falta de rigor acadêmico, de acordo com entrevistas realizadas com alunos, professores e funcionários do governo. Pelo menos 29 já voltaram para casa, enquanto outros esperam apenas receber as passagens de avião a fim de seguir o mesmo caminho.

O Programa de Bolsas Yasser Arafat — de formação de jovens palestinos como médicos — era para ser o mais recente de uma série de programas de solidariedade internacional criados pelo presidente Hugo Chávez, sendo o mais conhecido o que fornece a Cuba petróleo barato em troca dos serviços de dezenas de milhares de profissionais de saúde. O pacote incluía sete anos de casa e comida e estudos numa faculdade pública composta por médicos cubanos.

Os palestinos insatisfeitos disseram que o treinamento recebido — focado em saúde comunitária — não seria suficiente para se tornarem médicos reconhecidos. Além disso, reclamaram que o primeiro ano está sendo gasto em aulas de espanhol e doutrina bolivariana. Um aluno reclamou que tinha tempo livre demais.

Rejeitando essas preocupações, os funcionários da escola dizem que os jovens estavam com saudades de casa e suscetíveis à manipulação por críticos do governo.

A decisão dos jovens de abandonar o curso levou a Venezuela a congelar o programa de bolsas que supostamente traria mais centenas de palestinos para estudar em várias modalidades, de acordo com um funcionário do Ministério da Educação palestino em Ramallah, Cisjordânia.

Os estudantes dizem que foram surpreendidos quando seus professores apresentaram um currículo centrado na saúde da comunidade e se preocuparam quando médicos de outras instituições os advertiram de que o curso não cumpria normas internacionais. Fouad Fattoum, de 19 anos, relatou que pediu aos administradores do programa para voltar para à Cisjordânia, mas que não havia dinheiro para a passagem aérea.

— Eu quero ajudar o meu povo, e o que eles precisam é de médicos — disse Fouad. — Quero aprender o máximo de informação possível, o que não é o que eu teria neste programa.


Fontes: O Globo, Agencia AP, Governo da Venezuela. TELESUR
Missão Ushuaia, Venezuela. 19/07/2015.