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Escassez e economia em frangalhos colocam Venezuela à beira do abismo, diz relatório. Centro internacional alerta para risco de ‘desastre’ com agravamento da crise.

Protesto. Médicos reclamam de falta de equipamento nos hospitais. Mais de 13 mil profissionais de saúde deixaram a Venezuela nos últimos anos por falta de condições de trabalho - MERIDITH KOHUT/NYT

CARACAS - Com escassez de alimentos e bens de primeira necessidade na prateleira, remédios e médicos cada vez mais raros nos hospitais, e uma economia em frangalhos, o cenário na Venezuela se aproxima de uma crise humanitária. É o que afirma um recente relatório do International Crisis Group (ICG), importante centro de estudos sediado em Bruxelas. O documento aponta que a profunda turbulência econômica na qual o país mergulhou nos últimos anos está se desdobrando numa crise social que pode se transformar num “desastre social que abalará não apenas as políticas domésticas e a sociedade da Venezuela, mas também seus países vizinhos”.

— A escassez não está somente nas prateleiras dos supermercados, mas sem dúvida a falta de acesso a alimentos processados, somada à dificuldade de obtenção de remédios nas farmácias e hospitais, está gerando um cenário na área da saúde muito próximo daquele encontrado nos países que enfrentam crises humanitárias — disse ao GLOBO o diretor do ICG para a América Latina, Javier Ciurlizza. — Em nosso trabalho de investigação, estivemos em contato com muitos militantes chavistas, e mesmo eles reconhecem que o governo tem fracassado em levar adiante seus projetos sociais. 

Sob o pesado controle do Estado

O quadro de escassez de profissionais é particularmente preocupante na área da saúde. Em abril, o presidente da Federação Médica Venezuelana, Douglas León Natera, informou que pelo menos 13 mil médicos haviam deixado o país nos últimos anos, e afirmou que a saúde no país vivia uma crise com tendência a se agravar progressivamente. Ele acusou o governo do presidente Nicolás Maduro de manter, deliberadamente, a população desinformada sobre as epidemias que se alastravam pelo país.

O documento do ICG destaca cinco pontos críticos na Saúde venezuelana, entre eles a falta de leitos e materiais nos hospitais, a escassez de remédios disponíveis, a decisão do Ministério da Saúde de não publicar mais boletins oficiais sobre as epidemias no país, e a dificuldade no atendimento neonatal, especialmente nas zonas rurais, o que muitas vezes obriga gestantes em trabalho de parto a passarem por vários hospitais antes de conseguirem atendimento. Como consequência, as mortalidades materna e infantil, que haviam caído durante o período de Hugo Chávez à frente da Presidência, voltaram a subir. 

Para Diederik Lohman, diretor associado de saúde da ONG Human Rights Watch (HRW), muitas das dificuldades enfrentadas pelo sistema de saúde venezuelano têm origem no fato de o país praticamente não produzir insumos ou medicamentos, sendo obrigado a recorrer a importações, que se tornam inviáveis frente ao controle cambiário do governo. Além disso, as reservas em moeda forte, que em 2008 chegaram ao ápice, com US$ 42 bilhões, em junho passado já tinham despencado para apenas US$ 16 bilhões. 

— Importadores não conseguem trazer os remédios para o país — conta Lohman. — O único que tem acesso aos dólares é o próprio Estado, que até fecha acordos de compra de medicamentos com países aliados, mas que, segundo seus próprios boletins, compra quantidades erradas, e muitas vezes negocia a compra de medicamentos vencidos. É uma infeliz combinação de má gestão e descontrole. 

As acusações de Natera sobre a divulgação de dados oficiais são corroboradas pela ONG e pelo centro de estudos.

"Duvido que esta noite maduro jante pátria". Arte: Untal_Ro  

— O problema das informações oficiais é comum na saúde, mas não está restrito a ela — relata o diretor da HRW. — Espalha-se por todas as áreas do governo, que oculta dados e utiliza teorias conspiratórias contra quem o critica. Maduro faz isso agora, mas Chávez já fazia isso antes.

Já Ciurlizza diz que o combate à pobreza, carro-chefe do governo desde a chegada de Chávez ao poder, em 1999, também tem índices mascarados pelo governo. Há indicações de que as melhorias conseguidas entre 2003 e 2012 foram revertidas.

— O último indicador oficial disponível, de 2013, indicava 27,3% de pobreza no país. Desde então novos índices não foram divulgados, mas em março, um estudo realizado por três universidades venezuelanas apontava um crescimento do índice de pobreza para 48,4%.

Prateleiras vazias. Área da saúde é uma das mais afetadas pela crise 
no país - WILLIAMS MARRERO / WILLIAMS MARRERO / EL NACIONAL


Advogados acusam governo

Além dos desafios na economia e na saúde, o país também é alvo de constantes críticas em outra áreas. Em nota, o Instituto de Direitos Humanos da Associação Internacional de Advogados acusou o governo de perseguir juristas, citando como exemplo o caso da juíza María Lourdes Afiuni, presa a pedido do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, que também teria usado seu programa na TV estatal para pedir a prisão de três advogados acusados de desacato.

— É uma tentativa de intimidar o Direito na Venezuela, que levará à destruição da confiança pública na Justiça — afirmou o copresidente da entidade, Hans Corell. 

Fontes: Felipe Benjamin - O Globo, Untal_Ro
Missão Ushuaia, Venezuela. 06/08/15.